Wednesday, March 21, 2007

Uma Arte

Elizabeth Bishop (1911-1979) desfolhou uma margarida imaginária para decidir se, afinal, odiava ou gostava do país no qual viveu por 20 anos, o Brasil.
Elizabeth Bishop é daquelas poetisas para quem menos é mais. Ela escrevia com dificuldade e deixou menos de 100 poemas, número suficiente para que ganhasse o Prêmio Pulitzer e se colocasse na linha de frente da poesia americana contemporânea, posição que só faz crescer. Nem o papel de poetisa aceitava. Pouco falava sobre seu trabalho, não se relacionava com os intelectuais e, conta-se, encarregada de dar assistência ao poeta Ezra Pound, enclausurado em Washington, nunca ficou à vontade. É uma poetisa de fácil leitura. Mas não de fácil, ou completo, entendimento. Elizabeth rejeita os ornamentos, faz uma poesia depurada e direta, vê com olhos duros, às vezes líricos, o que está à frente.

Uma arte

Elizabeth Bishop
Tradução de Horácio Costa

A arte de perder não tarda aprender;
tantas coisas parecem feitas com o molde
da perda que o perdê-las não traz desastre.


Perca algo a cada dia. Aceita o susto
de perder chaves, e a hora passada embalde.
A arte de perder não tarda aprender.


Pratica perder mais rápido mil coisas mais:
lugares, nomes, onde pensaste de férias
ir. Nenhuma perda trará desastre.


Perdi o relógio de minha mãe. A última,
ou a penúltima, de minhas casas queridas
foi-se. Não tarda aprender, a arte de perder.


Perdi duas cidades, eram deliciosas. E,
pior, alguns reinos que tive, dois rios, um
continente. Sinto sua falta, nenhum desastre.

- Mesmo perder-te a ti (a voz que ria, um ente
amado), mentir não posso. É evidente:
a arte de perder muito não tarda aprender,
embora a perda - escreva tudo! - lembre desastre.

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